8.11.10

A história da CXWTABR

         A Chen Xiao Wang World Taijiquan Association Brasil - CXWTABR,  nasceu  em outubro de 1998 no Rio de Janeiro durante a primeira vinda do Mestre Chen Xiao Wang ao Brasil, promovida e realizada pelos Professores Estevam Ribeiro (Art'Chi) e Begoña Javares (Gesto Cotidiano).

         Chen Xiao Wang é o atual representante do estilo tradicional de Tai Ji Quan da família Chen. Ele é o líder da décima nona geração do estilo mais antigo desta arte. Em sua primeira visita a este país, ele ministrou dois seminários: Chan si gong, o trabalho da energia espiralada, e a forma de 19 posturas Chen, de sua autoria. Estes, seguindo a didática criada por ele, são os passos iniciais para aqueles que ingressam no estilo Chen. Em 2001 a WCTA passou a ser representada no Brasil pelos Professores Estevam Ribeiro e Begoña Javares, respectivamente ARTCHI e Gesto Cotidiano.

         Durante cinco anos seguidos eles produziram e promoveram a vinda do Mestre Chen Xiao Wang ao Brasil, e foram as escolas pioneiras a ensinar o estilo Chen Tradicional no Brasil. Em suas vindas entre 1998 e 2002, Chen Xiao Wang ministrou as formas tradicionais Lao Jia, Espada Chen, Qi Gong dos 6 Sons, Tui Shou e aplicações. A escola Artchi fundou a Associação Brasileira de estilo Chen de Taijiquan, ABEC, que veio se tornar a CXWTABR, esta sigla, além de caracterizar a associação brasileira, tem  também a intenção ser mais facilmente identificável com o nome próprio da associação (CHEN XIAO WANG WORLD TAIJIQUAN ASSOCIATION).

 
        Em 2002, durante a vinda do mestre ao Brasil, iniciou-se o 1º Curso de Formação de Instrutores de Taijiquan do Estilo Chen, no Rio de Janeiro, com participantes de outros estados . Hoje este  curso já está em sua 3a edição no Rio de Janeiro , e 1a edição em Porto Alegre. Além do ensino prático, seguindo a didática do Mestre Chen Xiao Wang, o curso prima em dar ao aluno uma base teorica, constando de aulas de  historia, teoria do taiji, fisiologia energética da medicina tradicional chinesa, psicologia,  assim como prática dos princípios característicos essenciais do Estilo Chen. 



          CXWTABR,  vem realizando cursos  e seminários em várias cidades no Brasil, como São Paulo, Porto Alegre e Brasília. Para facilitar a iniciação e promoção do estilo Chen, está sendo lançando um novo curso de "Capacitadores de Tai Chi" de duração de 1 ano.  Este curso propõe  a formação básica de taichi, para pessoas que queiram  ensinar em Hospitais, escolas, comunidades, etc.  
         A CXWTABR, enquanto pioneira da implantação do estilo Chen no Brasil, incentiva e desenvolve uma didática , que prima pela qualidade e fidelidade aos ensinamentos do mestre Chen Xiao Wang.
         O Estilo Chen tem sido cada vez mais procurado, não somente por jovens, praticantes de outras artes marciais, assim como  por idosos, que desfrutam dos  seus aspectos terapêuticos.


    Nosso compromisso é com uma boa qualidade de ensino. Mestre Chen Xiao Wang deseja que seus representantes divulguem cada vez mais, e por isso ele não faz segredos, nem dificulta o acesso ao aprendizado escondendo-o. Ele é muito claro e detalhista na sua didática. Ele sabe, que o maior segredo do taichi não é um segredo, mas uma constatação, ou melhor uma ação, "praticar".

Atualmente a CXWTABR trabalha em conjunto com outras escolas e associações de outros estados e do próprio Rio de Janeiro. Atualmente a CXWTABR trabalha em conjunto com outras escolas e associações de outros estados e do próprio Rio de Janeiro.

Estevam Ribeiro



Criar seu atalho

25.10.10

A importância do QI para o estudante de Taijiquan.


O Qi representa a unidade tão almejada em todo o pensamento chinês, porque por ser energia, abarca o mental e o físico, e estabelece na medicina além de uma fisiologia corporal, uma fisiologia mental e até emocional, e que, por consequência, promove uma visão espiritual do corpo.”
Anne Cheng- A história do pensamento chinês.

Segundo o neoconfucionista Zhang Zhai

Zhang Zai (1020-1078 dC):
 “ Aquilo que se dispersa, se diferencia e pode assumir figura visível é energia vital (Qi ); aquilo que é puro, penetra em toda parte não pode assumir forma visível é potencia espiritual (Shen).
O Vazio supremo não tem formas: é a constituição original do Qi. A condensação e dissolução do Qi são formas temporárias devidas às mudanças e transformações. O Vazio supremo não pode ser senão Qi, o Qi não pode senão condensar-se para formar as dez mil coisas, as dez mil coisas não podem senão dissolver-se para retornar ao Vazio supremo.
A condensação e a dissolução do Qi são para o Vazio supremo aquilo que o gelo e o derretimento são para a água. Compreender que o Vazio supremo é o Qi é compreender que não existe o não-há.
O há e o não-há são aspectos do Qi concentrado e dispersos. O Qi é a realidade última que permeia o manifesto e o imanifesto. ( AC).
Por isso o aluno de Taiji deve aguçar sua sensibilidade para a percepção do Qi e principalmente a alternância entre Yin/Yang no Qi.
A arte do Taijiquan ,não resulta apenas uma arte marcial. A arte do taiji nos conecta com realidades  extremamente sutis, mas existentes. Desde intuições, emoções, sonhos, ao raciocínio lógico, linear, no taiji a necessidade do balanço entre Yin/ Yang de todas as nossas facetas mentais é um processo constante. Assim como um balanceamento nos aspectos físicos, o refinar da percepção é uma constante no Taiji. Dos grandes músculos, aos órgãos, aos tecidos, aos fluidos, ao sangue, do grande ao pequeno, das dez mil coisas para o princípio único, o caminho é o mesmo na arte do Taijiquan ; do grande círculo para o círculo mediano, para o círculo pequeno, para o Wu círculo, não círculo, ou infinito latente círculo.
O Qi, neste caso permeia o material, o plano de estratégia ,e a avaliação deste processo.
 O princípio é o Qi. No Taijiquan e na vida.




O DUELO
Um grande samurai, já idoso, adorava ensinar sua filosofia para os jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda que ele ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. E, conhecendo a reputação do velho samurai, estava ali para derrotá-lo, aumentando sua fama de vencedor.
Todos os estudantes manifestaram-se contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos - ofendeu inclusive seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho mestre permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo- se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou- se.
Desapontados pelo fato do mestre ter aceitado tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram: Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? - perguntou o velho samurai.
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carrega consigo.
Citações, pensamentos e filosofias que na história da China contribuíram para o que chamamos hoje de teoria do Taijiquan.




A arte do Tuishou.
 Tuishou, literalmente empurrar mãos, já teve outros nomes como Kashou (esfregar mãos ) , Dashou ( bater mãos), ou ainda Huashou (transmutar , transformar ,mãos). É sem dúvida uma prática especial do Taijiquan, e tal como o Chansigong, é uma arte completa em si mesma.
Sua criação é atribuída a Chen Wangting, e sem dúvida uma das criações mais geniais no mundo das artes marciais.
todas as escolas de artes marciais tem em seus sistemas uma prática de embate com regras restritivas onde os alunos, ao mesmo tempo que desenvolvem as técnicas e princípios especiais destas artes, não se causem entre si lesões graves. Segundo o mestre Chen Xiaowang, o Tuishou é perfeito neste sentido, pois não necessita de nenhum equipamento especial de proteção e desenvolve satisfatoriamente as técnicas e princípios do Taijiquan, sendo um dos elos essenciais entre a prática da forma e a luta real. O mestre Chen Xiao Wang deixa claro que a prática do Taijiquan sem o Tuishou  carece de auto avaliação. Esta autoavaliação é tão necessária a todo praticante sério de Taijiquan, porque ajusta convenientemente o equilíbrio do  interno com o externo. Se o externo não está em harmonia , dificilmente o interno estará. Como arte preparatória para a luta, o tuishou nos faz trabalhar a procura da harmonia dentro do conflito. Ideal de varias artes marciais, não sómente o Taijiquan.
 As regras e níveis de dificuldade podem, e são bastante variadas na arte do tuishou, dependendo da filosofia da escola e principalmente do professor que está liderando a prática, estes níveis podem variar de supre leve a extremamente pesado.
Seus principais objetivos são:
Desenvolver a energia da escuta( Ting Jing )
a energia da interpretação ( Tong Jing)
e principalmente a energia da transformação ( Hua Jing).
 Estas energias são ilustradas nos clássicos pelos ditos aparentemente contraditórios -"meu oponente não me conhece, mas eu o conheço" e " abdicar de si mesmo e seguir o oponente", ambas as afirmações derivadas do SunZi ou a a Arte da Guerra, clássico dos estados combatentes.
  É preciso que haja colaboração entre os parceiros para que as principais energias se desenvolvam.  O empurrar simplesmente em clima de competição, apenas desenvolve as energias primárias como força e rapidez. Enraizamento (no sentido de não sair do lugar) é extremamente valorizado no "jogo " do tuishou no nível primário. em um nível elevado, elasticidade e suavidade garantem um enraizamento dinâmico em  que se prefere cair e encadear a energia a partir de um rolamento, a resistir aos vetores de força do oponente.
Em um segundo nível ainda primário, os fa jings são valorizados, na maioria das vezes favorecendo os que são, muscularmente falando, mais fortes. Em níveis elevados os fajings são aplicados no Tuishou
acompanhando os vetores de força do oponente, quase como uma conclusão final a um desnraizamento na qual o oponennte já se encontra na situação de não-retorno.
"Abdicar de si em favor do oponente" é um dos aspectos mais difíceis de ser praticado, no entanto sem este, não podemos denominar esta prática de tuishou. Já vi várias vezes praticantes de taichi usando a força para prevalecer, e as vezes até professores abusando dos alunos menos habilidosos, sugerindo que , ou deixando entender que o empurrar o oponente e desenraizá-lo é o objetivo principal... Poucos foram os mestres que pude testemunhar, que se deixaram empurrar à exaustão, sem reagir com força, para demonstrar que o importante no tuishou é a energia Hua Jing, ou seja, transformar, transmutar, neutralizar a energia do oponente.



O Taiji é uma Arte Marcial?

A fim de responder à pergunta, devemos considerar alguns fatores diretamente envolvidos na resposta, tais como: História, história do Taiji, cultura chinesaArteMarcialidade, passado mentalidade ocidental e atualidade. Ao deixarmos de lado estes contextos, deixaremos de lado também o bom senso e a reflexão.

História/ História do Taiji

   A China sempre fora ameaçada por guerras, tanto territoriais (fronteiras, invasões por outras etnias) quanto internas (rebeliões, ciclos dinásticos, revoluções). Como consequência e por necessidade, os chineses desenvolveram uma forte tradição guerreira.
   Com população numerosa e essencialmente rural, os camponeses, mesmo sob controle das dinastias ou outras formas de governo, tinham de defender seus próprios interesses, o que contribuiu para a formação das famosas "milícias camponesas" que ajudaram a escrever a História da China.
   A dinastia Han, (206a.C.-220d.C.) que cimentou as bases da identidade chinesa (muitos se intitulam como "filhos de Han"), lançou justamente o fundamento ideológico cuja premissa principal era a de que o Estado deveria governar por meio de dois princípiosWen e Wu. "Wen" seriapor assim dizer, governar pela virtude, pela Cultura, pelo exercício da Moral e do Pensamento. E "Wu", pela força e poderio militar. Esse "modelo", evidentemente, formou a mentalidade chinesa e com o Taiji Quan não foi diferente.
   Sabemos que o Taiji tem por berço o vilarejo de Chenjiagou, em Henan, numa zona rural da China... A versão historicamente aceita é a de que Chen Wang Ting, (1600 - 1680) que lutara a favor dos Ming e portanto, um militar, fora o "criador" de uma Arte que ao mesmo tempo encerra os mais altos valores filosóficos da cultura chinesa, bem como séculos de tradição em técnicas marciais.
   Sabemos também que Chenjiagou fora muitas vezes protegido pelas mãos de seus habitantes, cujos "guerreiros" dominavam as técnicas de luta ensinadas por Chen Wang Ting, que vieram a ser conhecidas, muito tempo depois por "Taiji Quan"! Hoje em dia, o clã dos Chen continua gerando grandes artistas marciais que vencem disputas e campeonatos, mantendo viva a tradição e a marcialidade do Taiji.

Mentalidade / Cultura Chinesa

    O Taiji é o resultado, ou o "fruto" sofisticado de uma Cultura que consegue unir perfeitamente "o mundo conceitual ao mundo prático, objetivo e concreto..."Não há” muita distância entre "saber" e fazer", entre "entender" e "experienciar". Em geral, nada na China é concebido para ser  "uma coisa"! Portanto, o Taiji Quan é sim uma Arte Marcial, porque tudo na Cultura Chinesa tem uma aplicabilidade, uma utilidade. Além das Artes Marciais serem uma tradição, como já dito acima, defender-se era uma necessidade!
    Os Chineses também são extremamente pragmáticos e utilitaristasO Taiji é fruto deste "modo" de conceber a vida e o mundo. Neste contexto cultural, é uma técnica de luta e autodefesa porque ele jamais seria "apenas" uma técnica corporal ou "apenas" uma técnica curativa, medicinal, meditativa ... O Taiji une todos estes aspectos. Por isso, o concebemos como um Sitema, um todo integrado, que muito importante ressaltar, não prescinde (e nem poderia, sob pena de perder suas características) da sofisticação dos Conceitos Filosóficos embutidos nas suas Técnicas.
     O Taiji retrata portanto, a antiga ideologia Han, que enlaça os ideais de "Wen" e "Wu", citados anteriormente.

Arte/ Marcialidade/ Passado

     Neste ponto, conceitos como Arte e Marcialidade são fatores a considerar... Justamente por ser o Taiji uma "Arte", sua "Marcialidade" torna-se pouco acessível, ou perceptível à primeira vista.
     As técnicas de combate no Taiji fundamentam-se em conceitos filosóficos e a aplicação ou "a prática destes conceitos" em situações de combate são extremamente difíceis e exigem dedicação de toda uma vida. Sensibilidade, percepção intuitiva, inspiração, cultivo da personalidade e uma relação muito própria e particular com o Taiji também "abrem as portas" para a Marcialidade. O Taiji não é uma "luta", no sentido literal e “comum” do termo. Concebê-lo assim, também é reduzí-lo e afastá-lo de suas origens.
     As reviravoltas políticas e sociais do passado recente da China influenciaram diretamente o aspecto "Marcial" do Taiji, bem como das outras Artes Marciais Chinesas. Talvez, um dos fatos históricos mais determinantes, tenha sido a derrota dos Artistas Marciais frente ao poderio das armas de fogo na fatídica "Revolta dos Boxers", que teve início em 1899.
Diante dos fatos, a mentalidade nos “círculos marciais” fora modificada. As armas automáticas “venciam”. Esta constatação fez com que, ao longo do tempo, outros aspectos das Artes Marciais fossem enfatizados como, por exemplo, aqueles que promovem a saúde, em detrimento daqueles que enfatizam o “combate”. E a própria concepção de transmissão e ensino das técnicas também estava sendo transformada. Foi o que aconteceu com o Taiji Quan.
     Em meados do Século XX, o Taiji “sai” dos círculos “estritamente” marciais, para compartilhar outros aspectos do seu Sistema, principalmente o aspecto terapêutico, tornando-o, naturalmente, mais acessível às pessoas “comuns”, leigas.
     Yang Luchan (1789-1872), pouco antes, iniciou naturalmente este processo de mudança. Conhecido como “o invencível”, ensinou na corte dos Qing em Pequim e divulgou o Taiji Quan para além das fronteiras da família Chen. Esta pode ter sido uma das primeiras mudanças de paradigma, pois as técnicas de combate estavam sendo ensinadas “fora” de Chenjiagou e a transmissão do conhecimento, ainda que restrita à discípulos, veio a gerar outros Estilos, como o Wu-Hao (Wu Yuxiang) e Sun, de Sun Lutang. Mas foi com seu neto, Yang Chengfu (1883-1936), que o Estilo Yang espalhou-se por toda a China, difundido com ênfase profilática.
     Nesse ínterim, as Artes Marciais voltam a ser motivo de orgulho nacional, formam-se associações, organizam-se demonstrações, competições e o Taiji Quan passa a fazer parte deste novo cenário.
     Devemos então considerar que o acesso às técnicas marciais do Taiji, que engendram toda uma vida de dedicação, transmissão mestre-discípulo, e treino de habilidades muito específicas, tornou-se bem mais restrito, pelos motivos históricos expostos acima. Devemos considerar também, que estamos no Ocidente e que tudo se torna, naturalmente, ainda mais obscuro e suscetível à idealizações e conclusões superficiais.
     Vale lembrar, que todos os Mestres, que fundaram Estilos, formaram discípulos e que participaram destas mudanças, independentemente dos caminhos pelos quais o Taiji Quan passou, foram exímios na arte de combate do Taiji Quan. Yang Luchan, Yang Chenfu, Chen Fake (1887-1857), Fu Zhongwen (sobrinho e principal discípulo de Yang Cheng Fu) e outros, sem exceçãotiveram que combater e vencer, a fim de impor o Taiji como Arte Marcial e torná-lo conhecido, inclusive.
     Em essência, o Taiji é, portanto, uma Arte Marcial. As vicissitudes da História é que mudaram a sua ênfase e o modo como o Taiji Quan é entendido e praticadoUsando o bom senso, tudo é mais simples: Estamos no Ocidente... É impossível apreender toda a sutileza e complexidade do aspecto Marcial sem treinamento específicotransmissão especial e habilidade pessoal. Hoje em dia, devem ser poucos, muito poucos os que têm este privilégio.


Mentalidade Ocidental

     Somos fruto de uma Cultura que exalta o humano e portanto, privilegia o intelecto. Temos dificuldade em entender como certos conceitos filosóficos do Taiji são a base do movimento físico e sobretudo, a base de sua estratégia Marcial... As noções de “vencer cedendo”, “envolver aço em algodão” e que a “suavidade vence a dureza”, são “pura contradição” para mentalidade ocidental. Essa “contradição” faz com que o Taiji seja “desacreditado” enquanto Arte Marcial.
O senso comum e mesmo certo número de praticantes, desconhece o sentido destas “contradições” e desconhece outros aspectos do Taiji, que lhe conferem os atributos de “Arte Marcial”.
      Sabemos que o Taiji cultiva a Força Interior (Nei Jin) e as técnicas deste cultivo são complexas, o que provoca muita confusão e quando muito, desperta uma curiosidade superficial, de cunho “místico”, pois o Taiji é uma Arte Chinesa... Nossa Cultura “pensa” de modo lógicoenquanto a Chinesa “pensa” de modo analógico.    
      Como dito anteriormente, por questões históricas, o aspecto terapêutico, físico e meditativo do Taiji foi enfatizado, também porque, ao “deixar” Chenjiagou e o meio camponês, todo o rico conjunto teórico-filosófico foi revisitado e complementado por eruditos, membros de camadas sociais mais abastadas, que se interessavam por este aspecto do Sistema. Haja vista a família Wu (Wu Yuxiang, Li Yiu) e também Sun Lutang que contribuíram enormemente neste sentido.  
      O Taiji Quan, quando chegou ao Ocidente, já sofrera estas mudanças na ênfase e mesmo tendo chegado pelas mãos de Mestres que tiveram acesso completo ao Sistema Taiji, “a distância” do aspecto Marcial para nós tornou-se maior!
      Por outro lado, há aqueles praticantes que idealizam a marcialidade do Taiji e acham que treinando “duro” as aplicações e tui shou, conhecem e dominam este aspecto. Basta ler (hoje há vasto material disponível) as entrevistas com alguns membros da família Chen ou artigos de Mestres de outros Estilos, publicados na internet ou em revistas especializadas, que podemos ter uma noção mais verdadeira, madura e realista acerca do que é “treinamento” ou “preparaçãoMarcial no Taiji Quan...
      Chen Ziqiang, filho de Chen Xiao Xin e, portanto, sobrinho do Grão-Mestre Chen Xiao Wang, em uma de suas entrevistas relatou e comentou o dia-a-dia dos membros do Clã Chen, que competem e ensinam Taiji Quan. Sua rotina diária é dedicada exclusivamente ao Taiji. Isto significa fazer exercícios físicos básicos, como “corrida”, treino das Formas de mãos livres, Formas com armas, treino de aplicação, Tui Shou e combate livre, além das aulas que ministra. É treinado e instruído por seu pai e por Chen Xiao Wang, seu tio.
      Eu mesma, por ocasião da minha primeira viagem à China, “vi” o modo de vida e o “clima” de Chenjiagou. Quase todos fazem Taiji, inclusive as crianças e idosos, com a rotina começando muito cedoFizemos uma aula com Ziqiang, que estava descalço e me pareceu “muito forte”( em todos os aspectos) e também muito concentrado. Chen Yin Jun, filho de Chen Xiao Wang perguntou aos professores presentes em um dos seus seminários quantas vezes nós fazíamos a Forma Lao Jia por dia? Ele disse que executava a Forma 10 vezes, como “parte” de seu treinamento...                
       Evidentemente, esta rotina (dedicação exclusiva, treino exaustivo de todos os aspectos do Sistema) é extremamente importante e faz parte do modo de vida dentro dos círculos Marciais Tradicionais. Com o Taiji não é diferente - estamos nos referindo à família Chen e à Chenjiagou.
       Parece que o grande diferencial e o que determina a proficiência na marcialidade do Taiji seja, além de dedicação e habilidade pessoal, a transmissão, a qualidade da instrução que se recebe. Esta instrução valiosa e direta só é possível por meio da vivência e de uma relação extremamente próxima, contínua e duradoura com a essência e com a fonte deste conhecimento.
       Muitas vezes, o praticante Ocidental não tem noção real do que é necessário para acessar um nível Marcial de Taiji, pois muitos acreditam, erroneamente, que ter habilidade em combate, por exemplo, se deve ao “Estilo de Taiji escolhido”... O próprio Mestre Chen Xiao Wang diz que a habilidade marcial independe do Estilo de Taiji: primeiro porque todos os Estilos compartilham os mesmos princípios. Segundo porque a habilidade pessoal pode sobrepor-se ao Estilo.
       Nós deveríamos ser gratos pelo fato de hoje em dia não ser mais necessário lançar desafios a outras Escolas ou Estilos – e vencer – a fim de que possamos ter liberdade para praticar ou ensinar Taiji Quan!!! 

Atualidade

       Ampliando a discussão para além do sentido literal de “ser o Taiji uma Arte Marcial”, podemos discutir as várias maneiras ou outras maneiras de praticar o Taiji Quan enquanto Arte Marcial. Uma dessas maneiras é usar exatamente as mesmas estratégias de combate, lançando mão dos princípios e conceitos embutidos na técnica, e vencer as “batalhas cotidianas” (relacionamentos, trânsito, situações conflituosas no trabalho e na vida pessoal). Ampliando nossa visão e nossos objetivos, poderemos usufruir da essência do Taiji Quan.
       Como a estratégia de combate do Taiji Quan é baseada na Arte da transformação, no equilíbrio dinâmico das forças e no fluxo da natureza, ela faz uso de princípios universais e portanto, princípios aplicáveis a todas as situações. Nos tempos de hoje, continua valendo a máxima de que “o melhor é nunca ter de lutar”. Mesmo que tenhamos domínio de técnicas de combate, é sempre melhor não precisar usá-las. Melhor não passar por situações de briga ou perigo iminente... Mas, na vida cotidiana, dos relacionamentos e da vida social, sempre somos desafiados. O desafio é justamente usar adequadamente as técnicas: Não perder “o eixo” e não sair do “centro”, promover o fluxo e evitar o duplo peso psicológico (responder ou interagir com a mesma qualidade energética que está sendo usada para “tirar você do eixo”), agir com rapidez, “escuta” e “sensibilidade” às situações a nossa volta e saber se impor sem “forçar”. Resumindo, isto é usar a Força Interior (nei jin), requisito máximo para a proficiência no Taiji Quan, o que já exige, por si mesmo, muito, muito treinamento.
        É preciso então aprofundar-se no sentido do que é ou poderia ser o cunho marcial do Taiji Quan. Se considerarmos a coisa toda de maneira literal, certamente provocaremos mais uma dissociação em nossas vidas. Usaremos força bruta nas relações e deixaremos as sutilezas para as situações concretas – treinos, tui-shou!
        No primeiro volume de “Musashi,”este livro fala sobre sua vida - um dos maiores Samurais de todos os tempos - há uma passagem que representa como podem ser sutis os níveis de habilidade Marcial: Musashi, certa vez, resolveu acompanhar à distância uma senhora que presidia uma cerimônia do Chá. Musashi queria testar sua capacidade de “aproximar-se sem ser notado”. Assimpassou a observar a tal senhora e não descobriu qualquer “brecha”. Não havia condições de aproximar-se. A concentração e a postura da senhora que presidia a cerimônia eram impecáveis e transmitiam invulnerabilidade. Musashi desistiu. Viu que se tentasse, seria notado e interromperia inutilmente a cerimônia. Uma senhora tornou-se invulnerável diante de um Samurai... Ótimo exemplo de Gong Fu!
        Em 2008, na China, tive oportunidade de fazer uma aula particular com a minha querida professora, a Mestra Shen Hai Min (discípula de Fu Zhongwen, citado acima). Durante as explicações e correções, a Mestra demonstrou os movimentos da energia interna no baixo Dantian, com um mínimo de movimento físico, estando ela sentada numa cadeira, diante de mim, de meu professor Estevam Ribeiro e de um grande amigo, Gentil Titton. Foi um momento muito marcante para todos nós, pois presenciamos um nível altíssimo de habilidademobilidade interna, com um mínimo de movimento externo.
        O Grão - Mestre Chen Xiao Wang expressa também sua maestria no Taiji Quan por meio da Arte da Caligrafia. O Mestre sempre faz questão de ressaltar o quanto essas duas Artes têm em comum. Como não poderia deixar de ser, suas caligrafias são “vivas”, vigorosas e, portanto, cheias de energia. Em 2010 adquiri uma caligrafia sua, com dois Ideogramas, que juntos representam “Deep Martial Arts”. O Mestre, explicou que os Ideogramas referem-se às Artes Marciais em geral e que todas elas são e podem ser muito profundas, podem ser um meio de vida, podem estar guardadas em nosso interior, levar-nos ao infinito.
        Diante destas reflexões e destes exemplos, podemos concluir, no mínimo, que afirmar ou negar que o Taiji Quan seja uma Arte Marcial, requer contextualização e clareza de ponto de vista.

                                     Ana Cloe Marrelli / Art’Chi - ABEC, Jan. - 2011


Ref. Bibliográficas: The Power of Internal Martial Arts /B. K. Frantzis, North Atlantic Books
Tai Chi Chuan, Arte Marcial, Técnica da Longa Vida/Catherine Despeux, Pensamento.