Anne Cheng- A história
do pensamento chinês.
Segundo o neoconfucionista Zhang Zhai
Zhang Zai (1020-1078
dC):
“ Aquilo que se dispersa, se diferencia
e pode assumir figura visível é energia vital (Qi ); aquilo que é puro, penetra
em toda parte não pode assumir forma visível é potencia espiritual (Shen).
O Vazio supremo
não tem formas: é a constituição original do Qi. A condensação e
dissolução do Qi são formas temporárias devidas às mudanças e transformações. O
Vazio supremo não pode ser senão Qi, o Qi não pode senão condensar-se para
formar as dez mil coisas, as dez mil coisas não podem senão dissolver-se para retornar
ao Vazio supremo.
A condensação e a
dissolução do Qi são para o Vazio supremo aquilo que o gelo e o derretimento
são para a água. Compreender que o Vazio supremo é o Qi é compreender que não
existe o não-há.
O há e o não-há são
aspectos do Qi concentrado e dispersos. O Qi é a realidade última que permeia o
manifesto e o imanifesto. ( AC).
Por isso o aluno de
Taiji deve aguçar sua sensibilidade para a percepção do Qi e principalmente
a alternância entre Yin/Yang no Qi.
A arte do Taijiquan
,não resulta apenas uma arte marcial. A arte do taiji nos conecta com
realidades extremamente sutis, mas existentes. Desde intuições, emoções,
sonhos, ao raciocínio lógico, linear, no taiji a necessidade do balanço entre
Yin/ Yang de todas as nossas facetas mentais é um processo constante. Assim
como um balanceamento nos aspectos físicos, o refinar da
percepção é uma constante no Taiji. Dos grandes músculos, aos órgãos,
aos tecidos, aos fluidos, ao sangue, do grande ao pequeno, das dez
mil coisas para o princípio único, o caminho é o mesmo na arte do
Taijiquan ; do grande círculo para o círculo mediano, para o círculo pequeno,
para o Wu círculo, não círculo, ou infinito latente círculo.
O Qi, neste caso
permeia o material, o plano de estratégia ,e a avaliação deste processo.
O princípio é o
Qi. No Taijiquan e na vida.
Um grande samurai, já
idoso, adorava ensinar sua filosofia para os jovens. Apesar de sua idade,
corria a lenda que ele ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um
guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era
famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário
fizesse o primeiro movimento e contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente
guerreiro jamais havia perdido uma luta. E, conhecendo a reputação do velho
samurai, estava ali para derrotá-lo, aumentando sua fama de vencedor.
Todos os estudantes
manifestaram-se contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para
a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas
pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos
- ofendeu inclusive seus ancestrais.
Durante horas fez tudo
para provocá-lo, mas o velho mestre permaneceu impassível. No final da tarde,
sentindo- se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou- se.
Desapontados pelo fato
do mestre ter aceitado tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:
Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada,
mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de
todos nós?
- Se alguém chega até
você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? -
perguntou o velho samurai.
- A quem tentou
entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a
inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre - Quando não são aceitos,
continuam pertencendo a quem os carrega consigo.
Citações, pensamentos e filosofias que
na história da China contribuíram para o que chamamos hoje de teoria do
Taijiquan.
A arte do Tuishou.
Tuishou, literalmente empurrar
mãos, já teve outros nomes como Kashou (esfregar mãos ) , Dashou ( bater mãos),
ou ainda Huashou (transmutar , transformar ,mãos). É sem dúvida uma prática
especial do Taijiquan, e tal como o Chansigong, é uma arte completa em si
mesma.
Sua criação é atribuída a Chen Wangting,
e sem dúvida uma das criações mais geniais no mundo das artes marciais.
todas as escolas de
artes marciais tem em seus sistemas uma prática de embate
com regras restritivas onde os alunos, ao mesmo tempo que desenvolvem as técnicas
e princípios especiais destas artes, não se causem entre si lesões graves.
Segundo o mestre Chen Xiaowang, o Tuishou é perfeito neste sentido, pois não
necessita de nenhum equipamento especial de proteção e
desenvolve satisfatoriamente as técnicas e princípios do
Taijiquan, sendo um dos elos essenciais entre a prática da forma e a luta real.
O mestre Chen Xiao Wang deixa claro que a prática do Taijiquan sem o Tuishou
carece de auto avaliação. Esta autoavaliação é tão necessária a todo
praticante sério de Taijiquan, porque ajusta convenientemente o equilíbrio do
interno com o externo. Se o externo não está em harmonia
, dificilmente o interno estará. Como
arte preparatória para a luta, o tuishou nos faz trabalhar a procura
da harmonia dentro do conflito. Ideal de varias artes marciais, não sómente o
Taijiquan.
As regras e níveis de dificuldade
podem, e são bastante variadas na arte do tuishou, dependendo da filosofia da
escola e principalmente do professor que está liderando a prática, estes níveis
podem variar de supre leve a extremamente pesado.
Seus principais objetivos são:
Desenvolver a energia da escuta( Ting
Jing )
a energia da interpretação ( Tong Jing)
e principalmente a energia da
transformação ( Hua Jing).
Estas energias são ilustradas nos
clássicos pelos ditos aparentemente contraditórios -"meu oponente não me
conhece, mas eu o conheço" e " abdicar de si mesmo e seguir
o oponente", ambas as afirmações derivadas do SunZi ou a a Arte da Guerra,
clássico dos estados combatentes.
É preciso que haja colaboração
entre os parceiros para que as principais energias se desenvolvam. O
empurrar simplesmente em clima de competição, apenas desenvolve as energias
primárias como força e rapidez. Enraizamento (no sentido de não sair do lugar)
é extremamente valorizado no "jogo " do tuishou no nível primário. em
um nível elevado, elasticidade e suavidade garantem um enraizamento dinâmico em
que se prefere cair e encadear a energia a partir de um rolamento, a
resistir aos vetores de força do oponente.
Em um segundo nível ainda primário, os
fa jings são valorizados, na maioria das vezes favorecendo os que são,
muscularmente falando, mais fortes. Em níveis elevados os fajings são aplicados
no Tuishou
acompanhando os vetores de força do
oponente, quase como uma conclusão final a um desnraizamento na qual o
oponennte já se encontra na situação de não-retorno.
"Abdicar de si em favor do
oponente" é um dos aspectos mais difíceis de ser praticado, no entanto
sem este, não podemos denominar esta prática de tuishou. Já vi várias
vezes praticantes de taichi usando a força para prevalecer, e as vezes até
professores abusando dos alunos menos habilidosos, sugerindo que , ou
deixando entender que o empurrar o oponente e desenraizá-lo é o objetivo
principal... Poucos foram os mestres que pude testemunhar, que se deixaram
empurrar à exaustão, sem reagir com força, para demonstrar que o importante no
tuishou é a energia Hua Jing, ou seja, transformar, transmutar, neutralizar a
energia do oponente.
O Taiji é uma Arte Marcial?
A fim de responder à pergunta,
devemos considerar alguns fatores diretamente envolvidos
na resposta, tais como: História, história do Taiji, cultura
chinesa, Arte, Marcialidade, passado, mentalidade
ocidental e atualidade. Ao deixarmos de lado estes contextos,
deixaremos de lado também o bom senso e a reflexão.
História/ História do Taiji
A China sempre fora
ameaçada por guerras, tanto territoriais (fronteiras, invasões por outras
etnias) quanto internas (rebeliões, ciclos dinásticos, revoluções). Como
consequência e por necessidade, os chineses desenvolveram uma forte
tradição guerreira.
Com população numerosa
e essencialmente rural, os camponeses, mesmo sob controle das dinastias
ou outras formas de governo, tinham de defender seus próprios interesses, o
que contribuiu para a formação das famosas "milícias camponesas"
que ajudaram a escrever a História da China.
A dinastia Han,
(206a.C.-220d.C.) que cimentou as bases da identidade chinesa
(muitos se intitulam como "filhos de Han"), lançou justamente
o fundamento ideológico cuja premissa principal era a de que o
Estado deveria governar por meio de dois princípios: Wen e
Wu. "Wen" seria, por assim dizer, governar pela
virtude, pela Cultura, pelo exercício da Moral e do Pensamento. E
"Wu", pela força e poderio militar. Esse "modelo", evidentemente, formou
a mentalidade chinesa e com o Taiji Quan não foi
diferente.
Sabemos que o
Taiji tem por berço o vilarejo de Chenjiagou, em Henan, numa
zona rural da China... A versão historicamente aceita é a de que Chen
Wang Ting, (1600 - 1680) que lutara a favor dos Ming e
portanto, um militar, fora o "criador" de
uma Arte que ao mesmo tempo encerra os mais
altos valores filosóficos da cultura chinesa, bem como séculos de
tradição em técnicas marciais.
Sabemos também que
Chenjiagou fora muitas vezes protegido pelas mãos de seus habitantes, cujos
"guerreiros" dominavam as técnicas de luta ensinadas por Chen
Wang Ting, que vieram a ser conhecidas, muito tempo depois por
"Taiji Quan"! Hoje em dia, o clã dos Chen continua
gerando grandes artistas marciais que vencem disputas e campeonatos,
mantendo viva a tradição e a marcialidade do Taiji.
Mentalidade / Cultura Chinesa
O Taiji é
o resultado, ou o "fruto" sofisticado de uma Cultura que
consegue unir perfeitamente "o mundo conceitual ao mundo prático,
objetivo e concreto..."Não há” muita distância entre "saber"
e fazer", entre "entender" e
"experienciar". Em geral, nada na China é concebido para
ser só "uma coisa"! Portanto,
o Taiji Quan é sim uma Arte Marcial, porque
tudo na Cultura Chinesa tem uma aplicabilidade, uma utilidade. Além
das Artes Marciais serem uma tradição, como já
dito acima, defender-se era uma necessidade!
Os Chineses
também são extremamente pragmáticos e utilitaristas. O
Taiji é fruto deste "modo" de conceber a vida e
o mundo. Neste contexto cultural, é uma técnica de luta e autodefesa porque ele
jamais seria "apenas" uma técnica corporal ou "apenas" uma técnica
curativa, medicinal, meditativa ... O Taiji une todos
estes aspectos. Por isso, o concebemos como um Sitema, um todo integrado, que - muito
importante ressaltar, não prescinde (e nem poderia, sob
pena de perder suas características) da sofisticação dos Conceitos
Filosóficos embutidos nas suas Técnicas.
O
Taiji retrata portanto, a antiga ideologia
Han, que enlaça os ideais de "Wen" e "Wu",
citados anteriormente.
Arte/ Marcialidade/ Passado
Neste
ponto, conceitos como Arte e Marcialidade são fatores a
considerar... Justamente por ser o Taiji uma "Arte", sua "Marcialidade"
torna-se pouco acessível, ou perceptível à primeira vista.
As técnicas
de combate no Taiji fundamentam-se em conceitos filosóficos e
a aplicação ou "a prática destes conceitos" em
situações de combate são extremamente difíceis e exigem dedicação de
toda uma vida. Sensibilidade, percepção intuitiva, inspiração, cultivo da
personalidade e uma relação muito própria e particular com o Taiji também
"abrem as portas" para a Marcialidade. O Taiji não
é uma "luta", no sentido literal e “comum” do termo.
Concebê-lo assim, também é reduzí-lo e afastá-lo de suas origens.
As
reviravoltas políticas e sociais do passado recente da
China influenciaram diretamente o aspecto "Marcial"
do Taiji, bem como das outras Artes Marciais Chinesas. Talvez,
um dos fatos históricos mais determinantes, tenha sido a derrota dos
Artistas Marciais frente ao poderio das armas de fogo na
fatídica "Revolta dos Boxers", que teve início em 1899.
Diante dos fatos, a mentalidade nos
“círculos marciais” fora modificada. As armas automáticas “venciam”.
Esta constatação fez com que, ao longo do tempo, outros aspectos das Artes
Marciais fossem enfatizados como, por exemplo,
aqueles que promovem a saúde, em detrimento daqueles que enfatizam o “combate”.
E a própria concepção de transmissão e ensino das
técnicas também estava sendo transformada. Foi o que
aconteceu com o Taiji Quan.
Em meados
do Século XX, o Taiji “sai” dos círculos “estritamente” marciais, para
compartilhar outros aspectos do seu Sistema, principalmente o
aspecto terapêutico, tornando-o, naturalmente, mais
acessível às pessoas “comuns”, leigas.
Yang
Luchan (1789-1872), pouco antes, iniciou naturalmente este processo de mudança. Conhecido como “o
invencível”, ensinou na corte dos Qing em Pequim e divulgou o
Taiji Quan para além das fronteiras da família
Chen. Esta pode ter sido uma das primeiras mudanças de
paradigma, pois as técnicas de combate estavam sendo ensinadas “fora” de
Chenjiagou e a transmissão do conhecimento, ainda que restrita à discípulos,
veio a gerar outros Estilos, como o Wu-Hao (Wu Yuxiang) e Sun, de
Sun Lutang. Mas foi com seu neto, Yang Chengfu (1883-1936), que o Estilo Yang
espalhou-se por toda a China, difundido com ênfase profilática.
Nesse
ínterim, as Artes Marciais voltam a ser motivo de orgulho
nacional, formam-se associações, organizam-se demonstrações, competições e
o Taiji Quan passa a fazer parte deste novo cenário.
Devemos
então considerar que o acesso às técnicas marciais do
Taiji, que engendram toda uma vida de dedicação, transmissão mestre-discípulo,
e treino de habilidades muito específicas, tornou-se bem mais
restrito, pelos motivos históricos expostos acima. Devemos considerar também,
que estamos no Ocidente e que tudo se torna, naturalmente, ainda mais obscuro e
suscetível à idealizações e conclusões superficiais.
Vale
lembrar, que todos os Mestres, que fundaram Estilos, formaram discípulos
e que participaram destas mudanças, independentemente dos caminhos pelos quais
o Taiji Quan passou, foram exímios na arte de combate do
Taiji Quan. Yang Luchan, Yang Chenfu, Chen Fake (1887-1857), Fu Zhongwen (sobrinho
e principal discípulo de Yang Cheng Fu) e outros, sem exceção, tiveram
que combater e vencer, a fim de impor o Taiji
como Arte Marcial e torná-lo conhecido, inclusive.
Em essência,
o Taiji é, portanto, uma Arte Marcial. As
vicissitudes da História é que mudaram a sua ênfase e
o modo como o Taiji Quan é entendido e praticado. Usando
o bom senso, tudo é mais simples: Estamos no Ocidente... É
impossível apreender toda a sutileza e complexidade do aspecto Marcial sem treinamento
específico, transmissão especial e habilidade pessoal.
Hoje em dia, devem ser poucos, muito poucos os que têm este
privilégio.
Mentalidade Ocidental
Somos
fruto de uma Cultura que exalta o humano e portanto, privilegia o
intelecto. Temos dificuldade em entender como certos conceitos
filosóficos do Taiji são a base do movimento físico e sobretudo, a base de sua
estratégia Marcial... As noções de “vencer
cedendo”, “envolver aço em algodão” e que a “suavidade vence a
dureza”, são “pura contradição” para mentalidade ocidental. Essa “contradição” faz
com que o Taiji seja “desacreditado” enquanto Arte Marcial.
O senso comum e mesmo certo número de
praticantes, desconhece o sentido destas “contradições”
e desconhece outros aspectos do Taiji, que
lhe conferem os atributos de “Arte Marcial”.
Sabemos que o Taiji cultiva a
Força Interior (Nei Jin) e as técnicas deste cultivo são
complexas, o que provoca muita confusão e quando
muito, desperta uma curiosidade superficial, de cunho “místico”, pois
o Taiji é uma Arte Chinesa... Nossa Cultura “pensa”
de modo lógico, enquanto a Chinesa “pensa”
de modo analógico.
Como
dito anteriormente, por questões históricas, o aspecto terapêutico,
físico e meditativo do Taiji foi enfatizado, também porque, ao
“deixar” Chenjiagou e o meio camponês, todo o rico conjunto
teórico-filosófico foi revisitado e complementado por eruditos,
membros de camadas sociais mais abastadas, que se interessavam por
este aspecto do Sistema. Haja vista a família Wu (Wu Yuxiang, Li
Yiu) e também Sun Lutang que contribuíram enormemente neste
sentido.
O
Taiji Quan, quando chegou ao Ocidente, já sofrera
estas mudanças na ênfase e mesmo tendo chegado pelas mãos de
Mestres que tiveram acesso completo ao Sistema Taiji,
“a distância” do aspecto Marcial para nós tornou-se
maior!
Por
outro lado, há aqueles praticantes que idealizam a marcialidade do
Taiji e acham que treinando “duro” as aplicações e tui
shou, conhecem e dominam este aspecto. Basta ler (hoje
há vasto material disponível) as entrevistas com alguns
membros da família Chen ou artigos de Mestres de outros Estilos, publicados
na internet ou em revistas especializadas, que podemos ter uma noção mais
verdadeira, madura e realista acerca do que é “treinamento” ou “preparação”Marcial no
Taiji Quan...
Chen
Ziqiang, filho de Chen Xiao Xin e, portanto,
sobrinho do Grão-Mestre Chen Xiao Wang, em uma de suas entrevistas relatou e
comentou o dia-a-dia dos membros do Clã Chen, que competem e ensinam Taiji
Quan. Sua rotina diária é dedicada exclusivamente ao Taiji.
Isto significa fazer exercícios físicos básicos, como “corrida”, treino
das Formas de mãos livres, Formas com armas, treino de
aplicação, Tui Shou e combate livre, além das aulas que ministra. É
treinado e instruído por seu pai e por Chen Xiao Wang, seu tio.
Eu mesma, por ocasião da minha
primeira viagem à China, “vi” o modo de vida e o “clima” de Chenjiagou. Quase
todos fazem Taiji, inclusive as crianças e idosos, com a rotina começando muito
cedo. Fizemos uma aula com Ziqiang, que estava
descalço e me pareceu “muito forte”( em todos os aspectos) e
também muito concentrado. Chen Yin Jun, filho de Chen Xiao Wang
perguntou aos professores presentes em um dos seus seminários quantas
vezes nós fazíamos a Forma Lao Jia por dia? Ele disse que
executava a Forma 10 vezes, como “parte” de seu
treinamento...
Evidentemente,
esta rotina (dedicação exclusiva, treino exaustivo de
todos os aspectos do Sistema) é extremamente
importante e faz parte do modo de vida dentro dos círculos Marciais
Tradicionais. Com o Taiji não é diferente - estamos nos referindo à família
Chen e à Chenjiagou.
Parece
que o grande diferencial e o que determina a
proficiência na marcialidade do Taiji seja,
além de dedicação e habilidade pessoal, a transmissão, a qualidade da
instrução que se recebe. Esta instrução valiosa e direta só é possível
por meio da vivência e de uma relação extremamente
próxima, contínua e duradoura com a essência e com a fonte deste conhecimento.
Muitas
vezes, o praticante Ocidental não tem noção real do que é
necessário para acessar um nível Marcial de Taiji, pois muitos
acreditam, erroneamente, que ter habilidade em combate,
por exemplo, se deve ao “Estilo de Taiji escolhido”... O próprio Mestre Chen
Xiao Wang diz que a habilidade marcial independe do Estilo de
Taiji: primeiro porque todos os Estilos compartilham os mesmos
princípios. Segundo porque a habilidade pessoal pode
sobrepor-se ao Estilo.
Nós
deveríamos ser gratos pelo fato de hoje em dia não ser mais necessário lançar
desafios a outras Escolas ou Estilos – e vencer – a fim de que
possamos ter liberdade para praticar ou ensinar Taiji
Quan!!!
Atualidade
Ampliando
a discussão para além do sentido literal de
“ser o Taiji uma Arte Marcial”, podemos discutir as várias maneiras
ou outras maneiras de praticar o Taiji Quan enquanto Arte
Marcial. Uma dessas maneiras é usar exatamente as mesmas estratégias de combate,
lançando mão dos princípios e conceitos embutidos na
técnica, e vencer as “batalhas cotidianas”
(relacionamentos, trânsito, situações conflituosas no trabalho e na vida
pessoal). Ampliando nossa visão e nossos objetivos, poderemos usufruir da
essência do Taiji Quan.
Como
a estratégia de combate do Taiji Quan é baseada na Arte
da transformação, no equilíbrio dinâmico das forças e no fluxo da
natureza, ela faz uso de princípios universais e portanto,
princípios aplicáveis a todas as situações. Nos tempos de hoje,
continua valendo a máxima de que “o melhor é nunca ter de lutar”. Mesmo
que tenhamos domínio de técnicas de combate, é sempre melhor não precisar
usá-las. Melhor não passar por situações de briga ou perigo
iminente... Mas, na vida cotidiana, dos relacionamentos e da vida social,
sempre somos desafiados. O desafio é justamente
usar adequadamente as técnicas: Não perder “o eixo” e não sair do
“centro”, promover o fluxo e evitar o duplo peso psicológico (responder ou
interagir com a mesma qualidade energética que está sendo usada para
“tirar você do eixo”), agir com rapidez, “escuta”
e “sensibilidade” às situações a nossa volta e saber se impor sem
“forçar”. Resumindo, isto é usar a Força Interior (nei jin), requisito
máximo para a proficiência no Taiji Quan, o que já exige, por si mesmo, muito,
muito treinamento.
É
preciso então aprofundar-se no sentido do que é ou poderia ser
o cunho marcial do Taiji Quan. Se considerarmos a coisa toda
de maneira literal, certamente provocaremos mais uma dissociação em nossas
vidas. Usaremos força bruta nas relações e deixaremos as
sutilezas para as situações concretas –
treinos, tui-shou!
No primeiro
volume de “Musashi,”este livro fala sobre sua vida - um dos
maiores Samurais de todos os tempos - há uma passagem que
representa como podem ser sutis os níveis de habilidade Marcial: Musashi, certa
vez, resolveu acompanhar à distância uma senhora que presidia
uma cerimônia do Chá. Musashi queria testar sua capacidade de “aproximar-se
sem ser notado”. Assim, passou a observar a tal
senhora e não descobriu qualquer “brecha”. Não havia condições
de aproximar-se. A concentração e a postura da senhora que presidia a cerimônia
eram impecáveis e transmitiam invulnerabilidade. Musashi desistiu. Viu
que se tentasse, seria notado e interromperia inutilmente a cerimônia.
Uma senhora tornou-se invulnerável diante de
um Samurai... Ótimo exemplo de Gong Fu!
Em
2008, na China, tive oportunidade de fazer uma aula particular com a minha
querida professora, a Mestra Shen Hai Min (discípula de Fu Zhongwen,
citado acima). Durante as explicações e correções, a Mestra demonstrou
os movimentos da energia interna no baixo Dantian,
com um mínimo de movimento físico, estando ela sentada numa
cadeira, diante de mim, de meu professor Estevam Ribeiro e de um grande amigo,
Gentil Titton. Foi um momento muito marcante para todos nós, pois presenciamos
um nível altíssimo de habilidade: mobilidade interna,
com um mínimo de movimento externo.
O Grão
- Mestre Chen Xiao Wang expressa também sua maestria no Taiji Quan por
meio da Arte da Caligrafia. O Mestre sempre
faz questão de ressaltar o quanto essas duas Artes têm em
comum. Como não poderia deixar de ser, suas caligrafias são “vivas”,
vigorosas e, portanto, cheias de energia. Em 2010 adquiri uma caligrafia sua,
com dois Ideogramas, que juntos representam “Deep Martial Arts”.
O Mestre, explicou que os Ideogramas referem-se às Artes Marciais em
geral e que todas elas são e podem ser muito profundas, podem ser um meio de
vida, podem estar guardadas em nosso interior, levar-nos ao infinito.
Diante
destas reflexões e destes exemplos, podemos concluir, no mínimo, que afirmar ou negar que
o Taiji Quan seja uma Arte Marcial, requer contextualização e
clareza de ponto de vista.
Ana
Cloe Marrelli / Art’Chi - ABEC, Jan. - 2011
Ref. Bibliográficas: The Power of Internal
Martial Arts /B. K. Frantzis, North Atlantic Books
Tai Chi Chuan, Arte Marcial, Técnica da
Longa Vida/Catherine Despeux, Pensamento.